terça-feira, 5 de junho de 2012

Desespero


Noite chuvosa. Sentada sob o cobertor, assistindo um programa qualquer de tv, esperando o dia chegar, a hora passar, aquele velho segundo que insiste em não parar. Prédio alto. Das figuras que trespassam a fina tela da tv nada se diz. Nada falam. Nada significam. Olha então para seu lado direito. Vê o trovejar, as nuvens negras na noite. Esta empalidecendo sob a neblina. Então vem a água. Pingos e mais pingos a espancar as janelas. É daquelas noites terríveis. A noite da solidão. A menina abaixa a cabeça, olha o balde de pipoca vazio, o tapete opaco. Respira fundo; a menina no vazio.

Surgem então, por detrás das janelas, os filhos do homem. Com os olhos abertos, mãos espalmadas. Pés descalços. O fogo emana de suas entranhas. A menina se assusta, treme pode dentro. Que eram aquelas criaturas fantásticas? Que querem eles? A dor que há de nos consumir todos no dia do juízo? Pensa a garota, entre a aflição e o terror, que será tudo aquilo? Qual o significado do chão que caiu, daquilo que de há muito acontece sob o sol?

Então escutou um gemido. Um pequeno animal gritando lá em baixo. E subiu pela sua garganta uma necessidade de sofrer e de carregar uma dor que o mundo nunca esteve pronto para sentir. Debaixo dos seus olhos, quando carregou seus dedos em direção às pálpebras, sentiu letras caírem pelo rosto. Letras essas, que se bem lembrava, eram de um romance a muito tempo esquecido; uma história de amor, de separação, de dor e de graça. Uma história que encantava os transeuntes das ruas cinzentas que passavam por um prostíbulo qualquer. Sentiam, pois, o sabor daquilo que ansiavam mas não podia ter.
 
Levantou os pés, uma vez que estava sentada no sofá, para se dirigir à porta. Saiu em direção às escadas. Lembrou que nesta parte da vida a luz não existia; era simplesmente uma lenda contada certa feita por um sábio a ministrar pílulas de clarividência embotadas pelo vento frio de um final de tarde no litoral. Enquanto descia todos aqueles degraus, aquele concreto frio queimando seus pés, pensava na casa que deixava para trás, numa vida que estava por vir, em todos os mistérios do desconhecido. Por um momento teve dúvidas e as dúvidas tomaram conta do seu ser.

Chegando lá em baixo, pela portaria enevoada, lançou-se através da rua sem nem ao menos olhar para os lados. Quando pisou no gramado, sentiu alívio, ajoelhou-se, chorou. A chuva molhava seus cabelos e os pingos castigavam as suas costas. Suas mãos tateavam a escuridão, pelo meio da grama enlameada, procurando da onde vinha aquele som fugidio. Encontrou então aquela esplêndida criatura, extremamente machucada e pequenina, de musculatura tensa, expressão inocente, cujos olhos negros eram as únicas coisas que brilhavam naquela escuridão toda. Olhos que não piscavam , que olhavam fixos para a menina enquanto esta jazia prostrada a encarar o pequeno cão, ambos em cima da lama, circundados por negras árvores em uma selva de pedra.

Então estas duas criaturas se aproximaram e a menina abraçou a fonte de todos os gritos, de todos os os sussurros, das lamentações todas. O vento batia em ambos os corpos, a água diluviana ameaçava os afogar em seus próprios pensamentos. Um coração sentia o outro, batiam em compasso, aqueciam-se na ausência do sol. Ao agasalhar com seu próprio corpo aquele cão coberto de feridas, faminto, quase a se decompor no meio de tanta água e terra, compreendeu que abraçava a si mesma. Aqueles ganidos nada mais eram que sua própria voz a berrar por uma saída daquele labirinto em que se metera. E não havia trovões, água, fogo que lavassem sua alma e que a tirassem dali para aquilo que dizem ser o mundo de luz. 

Abraçada àquela criatura, que assumia agora contornos pavorosos, emitiu um grito surdo, um estranho som que se fez ouvir em todos os corações do mundo mas que não chegou aos próprios ouvidos de quem emitia. O cão então se desfez em seus braços como o pó que retorna a terra, esfarelando-se, misturando-se com a lama, fazendo o chão. A menina arqueou, ofegante, no meio do mesmo cenário chuvoso, sem pensar, apenas sentindo. Fazendo nada, somente existindo. Tinha certeza que dali não sairia a não ser através de um grito igual ou mais forte que o seu, que arrancasse seus coração daquele chão pegajoso; teria de ser arrancada pela raiz que seu corpo criara por dentre as entranhas da dúvida. E chorou delírios dos mais incríveis, com as mãos levantadas para um céu que a ignorava; céu que vomitava água torrencialmente sobre um belo rosto portador de olhos castanhos; um castanho que pela força do seu brilho forçava a humanidade a achar resposta para a razão do ser... Havia de gritar, mas quem poderia gritar desse modo? 

Tocou os restos de seu pequeno amigo. Se fora, com certeza. Perguntou-se então onde ele teria ido? Inclinou o peito em direção à terra, encostou a cabeça no chão, escutou a chuva vindo de cima. Entretanto, para sua surpresa, ouviu também as trombetas dos filhos do homem. Levantou o rosto e viu que eles cavalgavam em sua direção com os corpos envoltos por ígneas labaredas fantásticas, desenhando espirais de uma beleza terrível. Era o prenúncio do que a humanidade haveria de sentir sob o sol.  Essa figuras míticas anunciavam as coisas a serem feitas, o destino a ser cumprido, a promessa a ser selada. De súbito, a menina sentiu seu coração parar. Na fração de um segundo, o brilho flamejante daquelas potências alargou suas pupilas e jorrou o mistério dentro de sua mente. A chuva parara, a noite havia se acalmado. E ali a menina adormeceu, sonhando com as promessas de uma terra distante e com o que haviam lhe contado os sons das trombetas que anunciavam o verdadeiro tempo do homem sob o sol. Um sol que ela sempre esperou, que sempre a iluminou por dentro. Um sol que era uma dádiva por vir.

Todavia, antes que o ente luminoso surgisse, acordou num sobressalto. O cão dormia ao seu lado. Sentou-se com dignidade, mas sentiu o cansaço. Acariciou a fronte do cão, sentiu seu calor. Imaginou que os filhos do homem, ungidos pelo fogo, queriam levar a sua dor embora. Entretanto ela não permitiu e nem permitira jamais. A dor como tesouro da existência. Preferiu guardar seu sofrimento dentro de um coração que nunca conseguiu se fazer ouvir: o seu próprio. Isso porque os corações deste mundo estão entorpecidos pelo próprio  silêncio.

Amanhecia. Possuída pela dignidade dos mártires e tomada pela paixão dos que morrem de amor,  a menina ergueu seu corpo pálido diante da luz que nascia e, em uma amarga reverência à existência que se condena ao silêncio, resolveu legar ao mundo nada mais que o mistério de uma alma humana que andou sob o sol. Afinal, arrancou o próprio coração e enterrou naquele chão em que ela e seu companheiro haviam entregue suas almas; um chão alimentado  pelo corpo de um cão que jamais existira, por uma chuva cruel e por algumas lágrimas de solidão.



terça-feira, 22 de maio de 2012

Quando as estrelas se curvam

Não é fácil ser si mesmo. Como as ondas que teimam em se destruir e se reconstruir. Não é fácil ser grande pela simplicidade, ser digno pela economia, ser alto pela humildade. Pois para se fazer dignas essas terras, há que se resolver o enigma da antítese.

O tempo é uma luta insofismável. Os minutos correm, os segundos atropelam. Com o tempo ocorre algo terrível: sua percepção se modifica diante do fim iminente, que não avisa, não se deixa prever. As placas dessa rodovia estão ausentes e a próxima curva, a derradeira, chega rápido demais sem a sinalização.

O destino nós não sabemos. Os mistérios podemos dizer que não serão revelados agora. A pedra continua fechando a fresta. O ratinho continuará rato. Foi a beleza da poesia cibernética que fez encontrar dois hemisférios. E das improbabilidades fez-se uma vida repleta. O desenlace permanece um mistério.

Disse o futuro imperador: o que é feito de bom pelo homem é enterrado com seus ossos. Mas disse o poeta aviador que não ficamos sós, que as pessoas não se vão sós. Levam da gente, deixam com a gente. E a perfeita transformação me atingiu como um raio numa ensolarada tarde de sábado. E ficou.

Desde então, o litoral passou a significar mais do que mar. O som das ondas deixou de ser ruído, tornou-se música. Uma rodovia deixou de ser concreto; tornou-se esperança; uma rodoviária deixou de ser estrutura, tornou-se casa; uma casa deixou de ser tijolos; tornou-se lar; um quarto deixou de ser esconderijo; tornou-se um mundo. O mundo deixou de ser caos, tornou-se cosmos; e eu e você deixamos de ser eu e você, tornamo-nos nós.

O verbo é mais que palavra. É ação. E o mundo agiu. De todas as maneiras. Fe-nos união. E a partir daquele dia não fomos mais o mesmos. A metamorfose completa. Ambulante. Que queria ser, e foi. A rede proporcionou os contatos. E os anos se passaram. Distantes por alguns quilômetros; próximos porém, pois dentro do mesmo coração.

Lembro daquela tarde fria de julho. Sentados na calçada de casa, tentando desenformar um prato de gesso, que depois seria pintado em alegres cores, quentes demais para o ambiente. Lembro de quando aprendemos que pontos turísticos com portas não funcionam às segundas. Lembro de tomarmos chuva na frente de um museu que nunca conhecemos e depois sair andando a esmo em busca de comida. Experiências aparentemente banais, soma de partes mais que desengonçadas, mas que valem mais que todo o dinheiro do mundo. E isso porque constituem um tesouro, mais precioso do que tudo nessa vida: as lembranças.

As viagens foram constantes. Nem tudo eram rosas. As despedidas eram difíceis. As lágrimas escorriam, o coração se dividia. O mesmo ônibus que afaga é aquele que apedreja. Mas mais afaga. E surgiu a ideia. Ficar próximos. E de você veio o passo derradeiro; vencer a distância; vencer o concurso; crescer e aparecer. Eis que transformamos um mero apartamento em ninho, uma cidade em casa, o futuro em presente. Igor: o amor da minha vida. Carol: a razão do meu viver.

E nessa caminhada diferente e especial que papel fez a arte! Em especial a musical e a cinematrográfica. E nos encantamos um pelo outro através das imagens que se movem. Vimos um projetista poeta que fez um filme com beijos censurados, uma palhacinha triste e o remorso de um artista a chorar na praia, a perplexidade de um homem da floresta na cidade, o esporte que uniu uma nação separada pela cor, os sonhos de um diretor brilhante, o testemunho de alguém tomado por um espírito num julgamento, um advogado doido por ópera vítima de preconceito, alunos negros se afirmando pelo desafio do conhecimento, cenas do descontrole moderno musicadas por um gênio minimalista, um gato robô azul sem orelhas, um simpático professor idoso e seu medo da morte, as chagas da guerra em uma senhora idosa que carregava um pequeno guarda-chuva, os horrores dos conflitos na áfrica, jackie chan lutar bêbado, um pé esquerdo fantástico, um bruxinho e sua turma, um homem que queria agradecer pela cura de seu burrinho, uma linda menina num concurso de beleza bizarro, a história de amor de dois cowboys, um quarto de hotel letal, um grego apaixonante e apaixonado pela vida, uma princesa e seus ratinhos, uma menina que encontrou duas bruxas, um garoto dragão e um tal sem face, uma valquíria que gostava de presunto, um boxeador decadente que dançou ao som de um intermezzo, simpáticos dinossaurinhos em busca de um vale, dois jovens apaixonados ligados por uma corda vermelha, o conflito de um artista de filme mudo com o som, um menininho a viajar no verão com uma mochilinha de asinhas, um casal que tentou se esquecer e não conseguiu...

Na arte sonora, não foi menos diferente. A nossa trilha sonora foi do heavy metal melódico até pop norueguês, da mpb até o j-rock, de Piaf até Callas. Eu poderia sinceramente dizer que nós poderíamos construir uma casa no pé da montanha, que poderíamos ficar lá e nunca mais voltar, que poderíamos ficar lá e ver como tudo termina...

Tenho muito mais lembranças que não posso descrever por conta do espaço; estarão guardadas dentro do meu coração. Talvez a mais viva e importante lembrança seja disparada pelo cheiro de um certo perfume. Era só sentirmos o cheiro para lembrarmos automaticamente da sensação de como era viver no tempo daqueles primeiros encontros. Coisa verdadeiramente espantosa!

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Começar uma obra é difícil. O começo de algo é sempre problemático. É o velho problema do regresso ao infinito. Disse bastante coisa e o que talvez fosse melhor estar no começo coloco aqui: isto aqui é para você meu amor, tento derramar meu coração nestas palavras, coração este que, naturalmente, derramei por você. Mas palavras sempre dizem pouco. Aquele que diz saber descrever o Tao com palavras mente. Pois eu conheci o Tao com você. O indizível, o imperscrutável. A sensação indelével de ser um com o todo. O objetivo último do tantra, unir-se da forma mais visceral possível. Você representou para mim a chave para o Ser do Parmênides, as idéias de Platão/Sócrates, a Phisis do Aristóteles, a comunicação do Habermas, o uno do Plotino, a Roma de Darcy Ribeiro, a Montanha do Thomas Mann, o Musashi do Yoshikawa, o enorme girassol do Kawabata, os símbolos do Jung, o sol e aço do Mishima, os chineses da Xinran, o Multivac do Asimov. Você foi o meu Diadorim e a minha Julieta. O meu Jack Twist e minha Fermina Daza. Ter você ao meu lado foi ser Miguilim ao botar os óculos.

E, sobretudo, você foi o meu amor e sempre será. Você levou parte de mim e deixou parte de você comigo. Você vive aqui no meu coração.  E se o nosso amor foi especial, devastará ele também todas as barreiras. Esse amor foi tal que se feita aquela pergunta desafiadora "até quando ficar neste ir e vir do caralho?" a resposta eu a tenho desde aquele 1º de outubro: por toda a vida. Você me ensinou a viver e eu vivi. Nosso amor foi lindo e trágico como uma ópera de Puccini; mas mais que isso: foi nobre como a missa de Bach. Quando você se foi, as estrelas se curvaram porque elas assim procedem quando chega um anjo. E você foi o meu anjo. O meu firishta. Você me protegeu com a capa mágica. Apesar do mundo não ter tido o privilégio de ter mais tempo com você, eu quero te dizer que eu, mais do que te conhecer, te reconheci. Eu fico despedaçado com sua partida, mas eternamente grato aos céus por terem me dado a oportunidade de conhecer uma pessoa tão fantástica; de simplesmente ter conhecido você.

Quis a vida nos separar. Mas só o esquecimento separa. E nós não vamos nos esquecer um do outro. Construímos algo incrível aqui e o universo sentirá os reflexos disso. Criamos um lugar especial e quando o tempo parar nós nos reencontraremos. Minha vida vai continuar, conforme eu sei que você deseja. Mas nem você poderá me impedir, no íntimo, de sonhar com o dia em que daremos a mãos de novo. Quero que você saiba que, dentro do meu coração, nós subimos o altar, trocamos alianças e nos sagramos marido e mulher, exatamente como naquela figura que você desenhou; que eu te amei como se há de amar a mais maravilhosa das criaturas e que eu fui feliz; que espero ter feito você feliz; que você tenha perdoado minhas fraquezas e, mais importante, que você saiba que nós tivemos uma casa no pé da montanha...

Eu queria, na verdade, fazer a mais bela homenagem, a mais bela declaração de amor ou até a mais bela canção de amor jamais vista, como queria um certo compositor... mas temo não conseguir tal feito. Acho que nada mais honesto mesmo, e é o que me resta, é fazer, com essa minha cara mesmo, uma coisa que fiz menos do que deveria: dizer que te amo. Eu te amo, sempre te amei e sempre vou amar. Desde aquele 1º de outubro, e agora mais do que nunca, minhas mãos agem em sua homenagem e assim continuarão. Tenho que fazer justiça ao fato de você ter me escolhido como seu amor. 

Vivemos algo grandioso Carol, fomos grandes nessa terra, mesmo que condenados a sermos formigas dentro do pálido ponto azul. Você foi numinosa. Você foi uma experiência numinosa para mim! A você, destino o mais profundo e sincero "Bravo!", na verdade... "Bravíssima" !!!

Carobinha, meu amor, a gente não se contentou com o normal, com o comum; o que fizemos foi poesia, fizemos uma obra de arte!  Uma obra a ser legada para os que conseguem, de fato, entender o que é simplesmente... amar.

Meu carinho,
Meu amor,
Rish rish,
Aaaaaum,
Caroba linda,
Mumu maravilhosa,
Mumu do meu coração,

Eternamente seu,

Igor


domingo, 25 de dezembro de 2011

O Natal

Feliz Natal? A quem serve a data que foi usurpada de Cristo? Quem entende o que de fato disse Cristo? Como entender o milagre da multiplicação dos pães e peixes? Até quando permanecer no entendimento conveniente e preguiçoso do evento mágico e ignorar que o verdadeiro milagre não é desafiar as leis da física e sim fazer as pessoas compartilharem? Até quando ignoraremos que há duas maneiras de conceber a história: (1) a comida surge do nada; (2) as pessoas, tomadas pelas palavras de Cristo, fazem o verdadeiro milagre: cada um coloca o que tem na cesta e a comida "se multiplica". Pergunte-se: afinal, qual é o verdadeiro milagre? Você cristão: há nesta doutrina um chamado que conclama seu seguidor a muito mais do que agradecer pelo seu. Este é o Deus Vivo. Todo o resto é o Deus Morto. O Natal concebido atualmente é o Deus Morto. Se coisa do Deus vivo fosse, pense você: até quando você vai aceitar que sua ceia provoque coisas como esta neste vídeo? Veja bem: é para cear sim. Não é para não celebrar. É sim para deixar a ignorância de lado. ELE mesmo não disse que a verdade nos libertaria?

Enfim... que assim seja um Natal feliz.


domingo, 30 de outubro de 2011

Assunto: concerto da OSESP, da OSP (Sinfônica do Paraná) e Lula


No começo do mês estive em São Paulo para prestigiar a oitava sinfonia de Mahler. É mais do que um concerto. É o evento! A Oitava de Mahler é possivelmente uma das mais grandiosas peças sinfônicas, mais ousada e mais cara do repertório orquestral. É uma massa orquestral imensa, metais que tocam fora do palco, um coro misto enorme, coro infantil e oito solistas, salvo engano meu. A minha expectativa era grande visto que OSESP jamais me decepcionou. Vi com esta orquestra uma Elektra, um Cavaleiro da Rosa, uma Nona de Beethoven, uma Canção da Terra na versão de Schoenberg, a Terceira, a Quinta e a Nona de Mahler, uma Vida de Herói do Strauss, entre mais alguma coisa, e transcorreu tudo no mais absoluto e elevado nível. Coincidência ou não, exceto as sinfonias de Mahler, todo o restante foi durante a regência do Neschling. Mas a Oitava deixou a desejar. A orquestra estava magnífica e o coro também. O problema, ao meu ver crucial, foi a solução usadas para os solistas. Quem conhece a Sala SP sabe que ela não tem um palco muito grande. O coro ocupou o seu lugar de costume e a orquestra cobriu inteiramente o palco. E os solistas? Estes ficaram atrás da orquestra e na frente do coro. Pergunta: como ouvi-los? Sim sim... Microfones! Ao comentar do esdrúxulo procedimento com um professor da faculdade que muito adora esta arte ouço o seguinte “Mas daí estragaram tudo!”. E de fato. 

A Sala SP não é grande. Penso que em primeiro lugar poderiam ter tirado alguns componentes da orquestra, assim como enxugado o enorme coro. Foi frequente a sensação de confusão sonora que, acredito eu, foi decorrente do excesso de músicos. Sabemos que a Oitava de Mahler é mesmo excessiva, mas daí quando esta superlatividade compromete a própria inteligibilidade sonora penso que a coisa possa ser diminuída. Talvez, não sei bem, o som do coro tenha sido captado pelos microfones e ampliado a sensação de confusão na sala. Mas se fosse só isso, a noite teria sido proveitosa! O que ocorre é que com solistas microfonados não há arte lírica que preste! Toda a noção de técnica, de projeção, de squillo vocal torna-se secundário. Ouve-se o canto lírico justamente porque é uma arte sem intermediários, sem microfones, sem mesas e caixas de som. E nesta noite nem se ouvir alguma coisa se ouviu! Eu me sentei na segunda fileira, justamente com a perspectiva de ficar perto dos solistas. Dali não se ouviu absolutamente nada. Nenhum solista. A intervenção do barítono, na última cena do Fausto, foi um anti clímax absurdo posto que passou em branco. Não consegui ouvir nenhum dos cantores sequer minimamente para dizer se foram bem ou não. Esforço, nesta toada, mais intenso fiz com relação ao tenor da apresentação. Eu sou um entusiasta da voz do tenor e queria ver alguém fazendo o Doctor Marianus ao vivo. Notório que se trata de uma parte difícil, com muitos agudos, demandando uma técnica sólida. O resultado , todavia, foi pífio. Além de ter de fazer esforço para ouvir, pois as caixas de som estavam com um volume mal regulado, o que vi (e ouvi) por parte do tenor foi de uma mediocridade ímpar. Tive a sensação de que oitavou alguns dos agudos mais apoteóticos para baixo! E que uma hora usou falsete! Claro que o microfone pode ter me enganado, mas tenho quase que certeza que o tenor fugiu dos agudos de uma forma ou de outra. Não tem escapatória, principalmente neste “papel” há de se dar os agudos, senão a coisa fica deveras prejudicada. Que me sobrou? Prestar atenção na orquestra e no coro, que foram o alento da noite.

De tudo isso, desta solução ridícula usada para os cantores principalmente, posso dizer que pela primeira vez uma apresentação da OSESP me desapontou. Sabemos que Mahler é um exagero, um mundo! Mas em nome da musicabilidade e razoabilidade, poderiam ter diminuído um pouco o efetivo e colocados os solistas na frente. O som sairia menos embolado. Os cantores seriam ouvidos melhor. Já vi apresentações em lugares enormes com um colosso orquestral. Por que então, em um espaço mais diminuto, não diminuir as proporções? Trata-se inclusive de um respeito com o cantor. Alfredo Kraus já dizia, em interessantíssimo livro sobre a arte do canto de Artur Reverter, que o crescimento desmesurado das massas orquestrais, no mais das vezes, prejudicou a função do cantor, obrigando-o a cantar sempre forte para suplantar a barreira musical profunda de um efetivo superlativo que, muitas vezes, não executam um  bom controle de dinâmica,  resultando em execuções nas quais nem sempre se ouve os solistas a contento, mesmo que emitam a todo o vapor. Teatros cada vez maiores, cenários no fundo do palco teatral. Em suma, uma espécie de complô contra a técnica e arte vocal. Resultado? Empobrecimento da técnica, do resultado e, frequentemente, inaudibilidade! Pois foi o que ocorreu nesta apresentação da OSESP.

Ainda quero ressaltar o declínio dos programas de concerto! Nos tempos do Neschling, e em que pese sua aparente difícil personalidade devo dizer que o admiro como regente e diretor artístico, o programa custava dez reais e era um verdadeiro livro. Nada mais acrescentar. Tinha até uma aba na contracapa para destacar e, quem sabe, usar como marca página. Depois da saída do impetuoso maestro, tivemos o insípido maestro francês e agora maestrina Marin Alsop, de quem não posso opinar. Posso dizer que o programa, de livro, foi ficando um livro fino, que por sua vez virou uma revista, mas ainda conservando a lombada de livro até que, nesta mesmíssima apresentação da Oitava de Mahler, deparei-me, pelos mesmos módicos dez reais, com um programa de concerto em forma de revista, inclusive usando grampos. Eu acho que alguma conclusão dá para tirar da derrocada qualitativa dos programas, que parecem denotar um desapego cabal pela capricho; assim como da solução usada para a orquestra e para os cantores na Oitava de Mahler: estragaram uma belíssima sinfonia de notória raridade em termos de execução. O maestro da ocasião, Rozhdestvensky, é de uma competência inquestionável, ainda mais do alto de sua idade e experiência. Parece-me, no entanto, difícil de acreditar que a ideia dos solistas tenha saído da cabeça do maestro. De qualquer forma, não dá para saber de quem é a responsabilidade de uma ideia tão esdrúxula quanto a que foi utilizada. O certo é que se houvesse alguém que realmente se preocupa com a arte naquele lugar e que tivesse condições de influenciar os resultados, dificilmente teríamos o fim que tivemos, tanto em relação ao concerto quanto a simplificação do programa. Pessoalmente e indubitavelmente, só vi retrocesso.

De outro lado, na semana passada, vi um concerto da querida Orquestra Sinfônica do Paraná que, ao que parece, ressuscitou das cinzas. No governo Requião ela vinha sofrendo um desmonte raivoso chegando a parecer extinta em muitos momentos. Com o governo Richa , há suspeitas de boas mudanças. Sabe você leitor, não gosto do PSDB, nem tucanos. Este governador para mim é um engodo. Ainda mais quando este fez parecer, quando da assinatura da lei da Defensoria Pública, “não estar fundamentalmente atendendo o pedido (pressão) de ninguém e sim cumprindo uma promessa de campanha”, buscando ressaltar que ninguém tinha o impelido àquilo, ou seja, que o movimento "Defensoria Já" nada tinha a ver com a assinatura. Podia até ser promessa de campanha, mas nada mais elegante do que reconhecer o belíssimo movimento em prol da defensoria encabeçado pela grande professora de direito penal da faculdade  de direito da UFPR Priscilla Sá. Enfim... pelo menos surgiu neste ano uma programação anual, coisa que jamais vi, pelo menos desde 2004, na OSP. O regente titular mudou: agora trata-se do português Osvaldo Ferreira de quem nunca ouvi nada e , logo, não posso opinar. Todavia posso opinar do concerto que vi da OSP, nestes últimos dias. E veja só leitor, que legal! Com a regência de John Neschling.

Do concerto, posso dizer que foi vibrante. Não sei até que ponto o Neschling animou a orquestra, mas fato é que fazia muito tempo que não via a querida OSP deflagrar um som tão bonito e enérgico. O programa foi a Abertura Concertante , do Guarnieri, o Primeiro Concerto para Piano do Liszt e a Segunda Sinfonia de Brahms. Todas as obras foram executadas de forma incontestável. O solista da noite, inclusive, foi irrepreensível. Se esbarrou nas notas, foi imperceptível. Um fraseado inteligível e, algo que aprecio muito, uma bela presença de palco. Aliás, presença de palco é o que tem o grande maestro Neschling. Só lamento que, parece-me, ele tenha envelhecido muito desde a última vez que o vi, em 2007. É sabido que ele ficou seriamente doente neste ínterim mas também, e isso sou eu que acho, o fato de ele ter sido perseguido, ejetado e despojado daquilo que, talvez, tenha sido a obra de sua vida; o fato disto ter ocorrido da forma mais truculenta e ridícula possível, produto de uma das mais belas e impávidas figuras guardiãs da cultura nacional da política do Brasil, José Serra, deve tê-lo desgastado até a medula. Apesar disso, lá estava Neschling, sem batuta (aliás este utensílio sempre me soou inútil e tolhedor de movimentos) regendo de forma ímpar, com o seu “jeitão” (quem viu, sabe como é).

Claro que não posso me furtar de dar destaque para a plateia curitibana. Quem me conhece sabe que sou cáustico com a elite cultural dessa cidade: querem ser Viena sendo que lá fora continuarão sendo não menos latinos do que de fato são. A elite cultural desse lugar nunca me animou. Talvez no teatro a coisa seja um pouco melhor. E em termos de música antiga/barroca também, afinal temos a camerata que goza, ao que parece, de sólido prestígio (eu não sei porque não sou lá muito fã do repertório). Mas em termos de música sinfônica e óperas, a coisa tem sido bem medíocre. Em termos de ópera, não é nem medíocre: inexiste. Isto porque há uma montagem na vida e outra na morte. E quando há, são montagens com cantores dos quais nada se ouve, em parte pela orquestra mal regida e, do outro lado, por causa dos cantores  de técnica claudicante. Lembro de uma Boheme com um bom Rodolfo que, no entanto, foi fulminado por um cenário risível, que colocava os cantores praticamente no fundo do palco. Claro que, para amenizar, estavam lá os famigerados microfones. Sabemos que a acústica do Guairão é, mínimo, enigmática... Também vi um Rigoletto que não me impressionou nada, ao contrário, só me molestou. Lembro o que o personagem título era um barítono de voz vigorosa e boa presença de palco mas o Duca foi lamentável. O La Donna è Mobile foi terrível, sem o famoso floreio final. Si agudo no final, só nos sonhos. Melhor era ir para casa e botar o Kraus para cantar. Recordo-me ter lido na época que era Neyde Thomas quem dominava o cenário em termos de botar seus pupilos para cantar no Guaíra. Posso dizer que ela foi uma grande cantora, mas de resto... Melhor nem comentar.

A verdade é que, em Curitiba, a coisa é sofrível. E torna-se pior ainda porque se trata de uma gente que se acha melhor do que os outros, sem entender bulhufas do que vê e ouve. Pagam horrores para ver um tenor como Jose Carreras, que hoje, infelizmente, não possui sequer um vestígio do que um dia o tornou notável, e acham que fizeram um ótimo negócio, de qualidade artística ímpar, suprema consagração lírica. Enfim... no concerto da OSP regida pelo Neschling houve a seguinte cena: maestro parando o concerto para piano do Liszt no meio, no MEIO, para dar uma dura em alguém da plateia que, talvez por ser concerto gratuito, achou uma ótima ideia levar uma criança de, sei lá, uns 3 anos, para assistir um programa de duas horas de duração! Lamentável... bom senso passa longe. De resto, a mesma velha pataquada de sempre: aplausos para cada movimento da sinfonia do Brahms! Sou da opinião que a pessoa deve aplaudir quando der vontade, apesar de quebrar a unidade da obra (e quebra mesmo...). Quer dizer: se aplaudirem, paciência. Mas de todo o modo, não combina com a tal da capital de primeiro mundo os tais aplausos na hora errada....

Esquecendo esta minha antipatia por esta elite cultural mequetrefe e pela falta de bom senso das pessoas, devo dizer que o Concerto me deixou muito feliz. Parece que a OSP finalmente vai ressurgir com boas perspectivas para o futuro. De tudo isto, no mais puro estilo Pig's Tale: méritos para a OSP e deméritos para a OSESP.

Em tempo: desejo melhoras para o presente Lula! Que se recupere logo. Agora eu acho interessantíssima as manifestações de ódio em relação ao ex-presidente. Até o Dilmenstein (assim que se escreve?) se pronunciou contrariamente a esta orgia do mal gosto de parte dos brasileiros. Dizem para o Lula usar o SUS: parece-me que quem usa este argumento não vota nele e sim no grandioso José Serra, este gênio brasileiro. Mas o que este gênio brasileiro e seu ridículo escudeiro FHC fizeram pelos pobres do país, que são os que usam o SUS, durante este tempo todo? Muito pouca coisa. O Presidente Lula teve sim falas infelizes, mas ele chegou e fez. E nos lugares de sobriedade cultural real como Paris e Coimbra (escutou Curitiba?) ele é reconhecido por seu colosso de obra social. Agora que, vitimado por um câncer, convalesce desta maldita doença, os opositores mal educados tratam de tripudiar em cima de sua dor. Pois estes que escrevem no UOL para que ele use o SUS, provavelmente não usam o tal do SUS, muito pelo contrário. Escrevem para ele usar o SUS se apegando numa das falas infelizes deste presidente mítico na tentativa de combatê-lo não como um adversário honrado faria, mas como um adversário covarde e desleal, aproveitando-se do infortúnio que é ser vitimado de câncer. Escrevem para ele usar o SUS não porque se revoltam com a calamidade que ainda é o sistema de saúde público brasileiro e porque se preocupam com o brasileiro ferrado de cada esquina; fazem isso para ridicularizar um sindicalista, pobre e nordestino, que foi melhor que todos na presidência e é reconhecido internacionalmente por isso; porque não escodem a dor de cotovelo ao perceber que a posição da elite não é, na grande maiorias dos casos, por merecimento e sim por mera eventualidade; porque com a ascensão do torneiro mecânico que mudou o Brasil, perceberam que a mediocridade na qual vivem nem de longe faz merecer a posição social de prestígio que ostentam desde sempre neste Brasil banhado em sangue negro e indígena (como diria um certo Darcy); fazem isso porque Lula fez o brasileiro acreditar e a falta de esperança é o motor que alimenta a fogueira desta ridícula e prepotente elite brasileira. Afinal, o que esperar dessa gente senão a costumeira truculência com a qual se expressam desde priscas eras? Não é mesmo?

Igor Augusto

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Sobre meninos e meninas


“Seu viado!” Caro leitor, deixe-me primeiro estabelecer um axioma neste parágrafo introdutório. A expressão entre parênteses constitui um xingamento na sociedade brasileira. Mas porque chamar alguém de “viado” (sendo fiel à pronúncia ) é um xingamento no Brasil? Pior, porque nós nos ofendemos com isso? Ninguém gosta de ser chamado de viado. Raízes históricas aqui não me interessam. O que interessa é dizer que o tal xingamento é xingamento porque ser homossexual na nossa sociedade ainda constitui anomalia, conduta fora da curva. E aí que digo: tal tratativa só será corrigida quando o homossexualismo for visto com naturalidade; não como prática obscura, das perversões noturnas, da sexualidade exacerbada nas esquinas mal cheirosas e mal iluminadas de nossas sacrossantas cidades. O homossexualismo só será visto como imanente à natureza humana ( a real e não a ideal dos credos religiosos) quando aprendermos que ela pode comportar um romance, uma paquera, uma união estável, um casamento, amor e ternura. Tal como acontece no exercício da heterossexualidade. Mas, caro leitor, também afirmo que uma ideia dessa assusta porque não é possível simplesmente ignorar o conformamento anti homossexual que recebemos de todos os lados desde que nascemos. A heterossexualidade como standard está incrustada na nossa consciência e é necessário um trabalho árduo para vencer o preconceito que brota dos nossos intestinos (Platão dizia que os sentimentos menos nobres vinham dessa região anatômica) quando o assunto é o homossexualismo. Eis, portanto, o axioma: só venceremos tal iníqua situação quando tornarmos a diferença um algo natural.

Tornar natural, hodierna, tranquila, ao meu ver, é o que justamente os vídeos componentes do kit anti homofobia (Torpedo, Encontrando Bianca e Probabilidade) do governo federal tentam fazer. É claro que assustam a primeira vista. Porque mostram com naturalidade o que nós fazemos questão de varrer para debaixo do tapete, de ignorar existência para nos sintamos bem, bons religiosos e destinados ao paraíso celestial. Como já disse, a conformação preconceituosa que recebemos da sociedade faz difícil este exercício de aceitação das diferenças. Eles são destinados para adolescentes, cursantes do ensino médio. Um deles mostra um menino que se descobre bissexual. Ora, bissexualismo não comporta lugar na sociedade? Não é fato que, por trás da hipocrisia que às claras só admite o que deus preceitua, o bissexualismo faz também parte da natureza humana, assim como a coloração da pele, as diversas alturas, as várias línguas? E por que devem elas ser banidas? Por causa da seletividade religiosa que acha muito mais fácil pegar um versículo anacrônico do velho testamento e impô-lo, deixando o mandamento mais radical e desafiador que Cristo enunciou para quando for conveniente? Os outros vídeos tratam de lesbianismo e transsexualidade. Faço valer para estes casos o mesmo comentário que fiz sobre o bissexualismo.

Digo para você, leitor, que são vídeos ternos, tranquilos e diretos. É de se esperar, portanto, a reação intestinal maciça da maioria das pessoas. Mas curiosas mesmo são as reações que pude encontrar no blog do Paulo Henrique Amorim. PH é um baluarte do combate ao mau jornalismo, ao corporativismo jornalístico vergonhoso, à atividade político-partidária vergonhosa empreendida por uma mídia elitista e corrupta. Seu blog abrigou importante centro de combate ao candidato Serra. Logo é um recinto da “esquerda”, se é que tal nomenclatura ainda faz sentido. Enfim, é o reduto da oposição ao machismo, ao elitismo, à homofobia. É o reduto da defesa pela emancipação das minorias, dos oprimidos, dos pobres. Interessante foi o modo como PH capitaneou a luta contra o candidato Serra e a maneira como denunciou a participação em atividades religiosas nas quais garantia o veto a propostas de cunho anti-homofobia. E seus leitores-comentadores apoiavam incondicionalmente. Faço este parênteses porque comentar justamente o comportamento de boa parte desse pessoal: totalmente reacionário em relação aos vídeos do MEC. Como entender isso? Os vídeos, como eu disse, vão muito além pois a pior agressão que a mentalidade espúria do preconceito pode sofrer é a verdade de que a diferença de cunho sexual pode ser tão ou mais amorosa que a velha e batida heterossexualidade. Diante de tal argumento apresentado nos vídeos, esse pessoal, outrora defensores da vanguarda contra o preconceito e oportunismo tucano, vestiu a carapuça do reacionarismo. Tudo porque, mesmo defendendo Dilma, o direitos dos pobres, nordestinos, negros , índios e adjacências, parece-me mesmo que para esse pessoal, os gays tem direitos desde que o gay não seja seu próprio filho, não seja da família. O gay tem direito de ser gay desde que não apareça,desde que não se manifeste. O pessoal que condenou o candidato Serra por seu moralismo de quinta categoria, diante da tentativa salutar de tratar o assunto com naturalidade, expõe o preconceito dissimulado pela aparência da vanguarda emancipatória, deixando escapar os sentimentos rasteiros provenientes do duodeno quando se pensa na possibilidade de se pensar em ter um filho em uma das situações descritas no vídeo. E contando que esses vídeos não constituem apologia porque se assim fosse, a apologia maciça que se faz hodiernamente a heterossexualidade seria capaz de demolir a homossexualidade. Não esquecendo também que as diversas opções sexuais existem desde sempre, para além dos ensinamentos obtusos e anacrônicos das religiões hipócritas.

Pode se objetar que o público não seria exatamente o mesmo que se manifestou no blog contra o candidato Serra e suas ideias, e de fato não deve ser mesmo. Pelo menos não exatamente as mesmas pessoas. Mas o público que acompanha continua o mesmo. E pela amostragem, mostrando um grande número de pessoas desaprovando os vídeos, não posso deixar de acreditar que, pelo menos, se tratam de pessoas componentes do público de PH e partidários das ideias de igualdade social promovidas pelo governo Lula/Dilma.

Trocando em miúdos, penso que este medo da tal apologia dissimula o horror destes pretensos defensores de direitos de que eles tenham a ter um filho gay. Repito: reconhecem direitos porque hoje, para quem tem o mínimo de brios, é feio fazer diferente. Mas fazem isso desde que o gay não aconteça dentro de sua casa, dentro de sua família.

É possível, ainda, estender esta crítica às demais pessoas que se manifestam nos espaços de comentários abaixo das notícias, como ocorre no UOL. A franca maioria aparece dizendo respeitar os homossexuais para em seguida usar argumentos sob os quais os vídeos seriam não só apologias, mas talvez uma imposição de foro íntimo (???). Meus caros, até a presidente da república, que muito respeito,  escorrega feio quando afirma que tais vídeos seriam "propaganda de opção sexual". Pois ora, se passarmos Romeu e Julieta para os adolescentes conhecerem Shakespeare, estaremos diante de um monumento à humanidade, uma joia da literatura e do gênero humano como um todo. Se , no entanto, der na telha do educador exibir o Segredo de Brokeback Mountain,  outra joia artística de sensibilidade ímpar, vejam bem, com a cena de sexo cortada (para acalmar os de alma sensível)! Só com as cenas de demonstração de afeto dos cowboys! Aqui , em vez de um amor bonito, teríamos, na opinião douta da presidenta, dos falsos apoiadores da diversidade e hipócritas de todas as medidas, propaganda de opção sexual! Um perigo para nossos pimpolhos, que correrão o risco de se tornarem seres pervertidos, heréticos, um horror. Temos propagandas ternas que mostram o amor heterossexual, e nada é dito sobre se fazer propaganda de opção sexual de modo a soçobrar a natureza homossexual, desrespeitando-a. Mas se temos vídeos de ternura homossexual, aí fazemos apologia, propaganda de opção sexual, tentativa de induzimento, destruímos a família, banhamo-nos no enxofre, suprema iniquidade!

É também curioso, voltando ao público de PH, que essas mesmas pessoas engrossam o coro do jornalista contra a imprensa brasileira de cunho golpista. E é curioso porque a Rede Globo, estandarte desta turma reacionária, tendo o papel que tem de conformar pautas sociais, de decidir o que se discute e o que se ignora na sociedade, não faz o mínimo esforço para acabarmos com esse preconceito estúpido. Quando o comentarista do site do PH fala algo como “os gays devem ter direitos mas isso não significa que ser gay é bom ou normal” está sendo mais um parceiro de estultice daquela mídia que este mesmo comentarista ama odiar.

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Outras observações:

Muito curioso também é o fato de que esse mesmo tipo de comentarista do site de PH entronizou uma espécie de cegueira para com o governo da situação. E tanto é assim que quando este mesmo PH critica o governo que ele próprio ajudou a eleger, realizando salutar tarefa democrática e republicana, chovem comentários dizendo que o saudoso jornalista “se vendeu”, que trabalha para o tal PIG. Meu caro leitor, parece ser fato que Palocci enriqueceu absurdamente tanto enquanto deputado federal quanto nos meses que se passaram da eleição de Dilma até sua posse na casa civil. Seria de se esperar que, pelo espírito republicano, este senhor viesse a lume explicar o que se passa com tanto dinheiro. A coisa engraçada foi o governo ter recuado atendendo exigência da bancada evangélica: ou cancela a distribuição desses vídeos heréticos ou levamos a diante uma investigação mais apurada contra o eminente ministro. Eis que então o governo resolve capitular. E isto é engraçado porque, nos comentários do site do PH, além das pessoas acusarem o PH de ter se vendido, alguns mencionarem que o Lula não erra (seria Lula ou um deus?), que Dilma também sabe o que faz, também usaram o episódio Palocci como se este fosse um perfeito bode expiatório para justificar a capitulação em relação aos vídeos anti homofobia. Se a presidenta sabe o que faz, se Lula também está livre de erros, manter o Palocci é justo e tal negociação com a renitente bancada evangélica teria vindo muito bem a calhar porque os vídeos eram, nas palavras de alguns também, “equivocados”.

Esta embricamento, feliz coincidência, da condição imposta pelos evangélicos para aliviar pro eminente ministro, é difícil de se analisar em sua inteireza e nem objetivo isto aqui. Mas que teve quem usasse de tal expediente para resolver dois problemas numa tacada só, teve! Como é possível se depreender dos comentários no site de PH.

Se o embricamento é complicado de se esmiuçar, claro como o dia numa manhã fria de sexta em Curitiba é o fato de que o princípio republicano que nos rege torna necessário que os administradores públicos prestem conta. Nem tudo que é legal é moral. E Palocci já foi defenestrado pela acusação de ter quebrado um sigilo de conta bancário de simplório caseiro. Fato é que tamanha quantidade de dinheiro brotando do nada na conta de um eminente ministro da casa civil não é algo que o brio republicano nos permita ignorar. Fato também é que quando este senhor se recusa a explicar, está cuspindo na cara de quem elegeu a presidente desta república federativa.

Quero lembrar aos senhores leitores que o mensalão, como diz propriamente Mino Carta, carece de provas mas que o financiamento ilegal de campanha se apresenta como calcanhar de aquiles da eleição de Lula em 2002. As investigações são muito claras em afirmar a existência desse financiamento ilegal que pode constituir crime de responsabilidade para o mandatário que dele se serviu para chegar ao posto mais alto do poder executivo brasileiro. Se já tivemos um Dantas, um Valerioduto e uma Erenice, não precisamos de novo de um pesadelo imerso em segredos e maquinações que são, do ponto de vista republicano, inadmissíveis. Concordo com o jornalista PH quando este diz que tanto dinheiro sem explicação levanta suspeitas até mesmo em relação ao financiamento de campanha de Dilma. Assim nós vemos que república mesmo, só no papel.

Termino dizendo que assim como o homossexualismo acaba sendo desaprovado inclusive por pessoas que se dizem defensores dos direitos gays (não são todos que são hipócritas assim, por óbvio), os bons valores republicanos são nublados por uma seita pró governo que não aceita críticas e parece confiar cegamente no que seus mandatários fazem. Algo que lembra aquela história que dizia mais ou menos assim: “não pense meu filho, deixe que o Führer pense por você”.

Remates sobre tudo isso que nos inunda olhos e orelhas parecem-me por demais complexos no momento, mas sei dizer que os valores pregados, em um caso e no outro, valem até serem barrados pela conveniência, pela tranquilidade do status quo, pela o exercício acrítico da cidadania política. E ao final, a alteridade e a república continuam atrás no placar; perdendo para outros elementos de obscura sensatez.

IK

domingo, 10 de abril de 2011

Realengo

Até tentei me conter mas não deu. Quero comentar o jornalismo de ótima qualidade da Globo em cima da tragédia carioca. 

A tragédia é lamentável e a dor das famílias é algo aterrador.  Mas as conclusões que se tiram do fato são ridículas. Teve de tudo: articulista falando de violência pós-moderna, aquela que não teria causa. Será?; Apresentadora de Jornal Hoje perguntando se não havia detector de metais nas escolas brasileiras! Sim, porque as escolas brasileiras são muito bem financiadas, os salários são ótimos para os professores, as condições de serviços, maravilhosas. Mas não é só isso. O que ocorre é que as escolas, segundo o próprio comentarista convidado pelo Bom Dia Brasil, ex-membro do BOPE, cada vez mais se abrem para a comunidade. Elas não devem se cercar como condomínio de luxos, devem entrar em simbiose com a sociedade; outra delicadeza intelectual é Bonner tratando a tragédia como problema de segurança pública. Pergunta: isto é corriqueiro no Brasil? Antes de sair culpando a segurança pública é importante saber que o assassino não invadiu nada. Era ex-aluno e se identificou na entrada. Havia ainda pedido histórico antes do acontecido.

Mas não é tudo. O Fantástico deu realmente um show! Exibiu reportagem na qual simplesmente ignorou as menções a Jesus do assassino em sua última carta e focou na obsessão por Bin Laden. Por que será? Ignorou também uma susposta participação do assassino na Testemunha de Jeová? Por que será? De certo porque, como diz bem o grande intelectual da alcova Ali Khamel, não somos racistas e nem existe assassino movido por ideais sectarios, fundamentalistas de cunho cristão. Não há racismo no Brasil. Também não existem fundamentalistas cristãos. Muito menos a ponto de levar as últimas consequências os delírios solitários. O cara podia amar o Bin Laden e vibrar com homens bombas, mas também falou em Jesus. E é como se não houvesse possibilidade de haver ações violentas fundamentadas no cristianismo. Claro, as cruzadas foram um convite à fé cristã, educado naturalmente. É claro que não se trata de acusar vertentes cristãs, digamos, um pouco mais renitentes nos costumes, de incitar assassinatos de pequenos. Mas eu afirmo que há seitas de todas as religiões que oferecem ensinamentos pouco saudáveis que, na interpretação de um maluco, oferece o fundamento teórico e espiritual para se proceder a barbárie.

Quanto ao fascínio da Rede Globo pela obsessão de Wellington com Bin Laden e o islamismo é explicável porque, como nos ensina o solidário mundo ocidental, se tem assassinato com motivação religiosa só pode ser coisa de muçulmano! 

Vi o mundo trouxe entrevista com o especialista americano William Modzeleski em casos de chacinas promovidas por jovens e este diz: pouco importante é saber se o cara tem ou não doença mental. Os jovens matam, sejam mentalmente sãos ou não. A tese da globo é: diagnosticar o assassino como esquizofrênico e, literalmente, dizer que o bullyng sofrido nada teve a ver com o assassinato. Por que então ele resolveu matar na escola? Acaso? Diz o especialista americano que o mais importante é ouvir os sinais que essas pessoas dão: elas apresentam o desvio, publicizam isso. São as pessoas e instituições que não ouvidos. A própria reportagem global, através de depoimentos de colegas de Wellington, confirmaram as atrocidades às quais ele era submetido: era colocado na privada, puxavam a descarga, as meninas passavam a mão nele e depois o ridicularizavam. Então o assédio moral não teve importância Rede Globo? Resolveu ele mantar na escola e principalmente meninas por que Rede Globo? Porque o bullyng é irrelevante diante do quadro de esquizofrenia suposto? O próprio especialista responde: matam em escolas porque é lá geralmente que eles sofrem os traumas mais significantes, as violências perenemente fincadas no cérebro e na alma. Óbvio que podia ser doente, mas igualmente óbvio que ele deu sinais e ninguém ligou. Óbvio também que, a exemplo de Columbine, este rapaz sofreu crueldades e permitiram que assim acontecesse. A mesma Escola que hoje sofru a tragédia.

Digo isso porque acho um estupro intelectual a Rede Globo pendurar a tragédia no pescoço da má segurança pública ( mas a escola tinha até circuito interno de tv!!) e exclusivamente na doença. Trata-se ao meu ver de uma confluência de fatores: o rapaz devia ter perturbações graves que foram potencializadas e, principalmente, direcionadas por violências sofridas quando cursava aquela sétima série naquele colégio de Realengo. Ignorar esta segunda parte é eximir a sociedade de sua responsabilidade. Pior: é anistiar as crianças que maltratam colegas, pais que apoiam ou se omitem em relação ao comportamento dos filhos, a insensibilidade que recai em parte significativa da instituição Escola e de seus funcionários, a consideração pífia destinada pelo poder público a educação brasileira que, em sua grande parte, tem professores em situação de petição de miséria para poder se preocupar devidamente com os alunos, problemas socias gerais de relevância, homofobia, Bolsonaros, preconceituosos de todo o gênero, a sociedalde individualista, egocêntrica. Afinal, ninguém tem culpa. Segundo a Globo, digamos o seguinte: quem mandou esse Wellington ter problemas de saúde? Quem mandou ele ser vítima de bullyng? Já que assédio moral não significa nada, quem mandou a escola estar naquela localização geográfica bem na hora? Será que as escola brasileiras são seguras mesmo?, pergunta a Globo. Ou não seria esta sociedade egoista e cruel demais para compreender um ser humano com problemas que prefere um caminho perigoso?

Alguns me tacham de frio. Não é isso. Compadeço do sofrimento das famílias, mas a indiferença e a crueldade individualista matam muitos todos os dias. Creio que Wellington, ainda que seja uma aberração, um irregularidade na pacata curva brasileira, é um produto radicalizado da sociedade incrivelmente doente na qual vivemos.

Igor.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A queda da democracia

Sinto que estamos perdendo a guerra para o setor conservador. A tragédia no Rio de Janeiro, desconfio eu, deve ter trazido alento ao governo de São Paulo estado e capital. Desviou completamente a atenção das cheias dos rios, da capital inundada, dos paulistanos à mingua. A mídia conservadora segue no seu intento de fazer valer sua verdade, a de que Lula foi o culpado pela tragédia carioca. Afinal, a União investiu pouco, a União não previne, a União se omite. Se os repasses constitucionais são feitos e o dinheiro é mal utilizado pelo governo do RJ e das respectivas prefeituras, isso não importa. O que importa é bater na figura mítica do Presidente e, quem sabe, como diz Paulo Henrique Amorim, armar a cama de gato para limar a esquerda do poder deste país. Mesmo que este país cresça e as pessoas parem gradativamente de morrer de fome. Mesmo que os jornais internacionais destaquem o programa Bolsa Família como um fenômeno de distribuição de renda, somente equiparável ao Oportunidades do Mexico. O que importa é manter a colonização: sempre há quem ganhe com a pobreza. Sempre há quem se ache superior. Pois não acho que uma sociedade igualitáriamente rica traria tantos entraves assim para os ricos, que ficariam menos ricos, mas nem tanto. O sentimento de superioridade sócio-racial é maior: sim, porque o branco rico é mais e melhor do que o branco pobre, que deve pertencer à uma estirpe que perdeu conexão com a linhagem cristã pura, daqueles que são abençoados. De resto, pobres brancos e negros, pobres em geral, não são dignos. 

Não acho que, neste momento, os estudos sejam necessários. Estudos sempre são bem vindos, mas já temos o suficiente pra destrinchar o modus operandi dos inimigos da república, da democracia e da isonomia. Resta agora é agir. A tragédia do Rio de Janeiro, penso eu, faz aflorar o pensamento errático dos homens. Não escondo que movo uma cruzada contra a religião cristã, na maneira como é vivida, e contra a falta de apego à política, única forma de tirar as pessoas da miséria. No entanto, também reconheço as dificuldades de mobilização, de sair da inércia, de tentar bater de frente com o status quo: mudar a cabeça das pessoas é das mais ingratas tarefas. Os que sobreviveram às enchurradas do Rio não são abençoados por Deus, mas sim simplesmente sortudos. Benção não se distribui aleatoriamente ou por um merecimento ciclópico que leva a pessoa um pouco mais cuidadosa a se perguntar: a vida virtuosa tal como prega a religião me faz uma pessoa melhor a ponto de me escolher para a vida e condenar as outras, não adeptas, à morte? E como fica a morte dos adeptos? A frase mais perniciosa da história responde: pois Ele quis, pois Ele age de maneiras misteriosa, ou ainda que escreve certo por linhas tortas. Enquanto isso as pessoas chafurdam na miséria.

No mesmo país, São Paulo capital eleva o preço do onibus para 3 reais. Para se ter uma idéia, 0,80 centavos a mais do que o preço em Curitiba, a tal cidade modelo e maior engodo urbano produtora de aberrações políticas como Beto Richa e Cássio Taniguchi. O autobus de SP é para ricos, nem isso é para pobre. Pior é a forma como a PM paulista lidou com os estudantes que resolveram se manifestar contra este absurdo patético da prefeitura paulistana. Há o vídeo no You Tube e circulando pela blogosfera indenpendente, de alguns jornalistas corajosos. Trucuência policial não contra estudantes ranhentos, esquerdinhas ou maconheiros. É bala de borracha na democracia mesmo. Na república. Na isonomia, na dignidade da pessoa humana. Porque a polícia vira modo socialmente aceito de se sublimar o espírito cruel do ser humano, arranja-se uma forma aprovada socialmente para exercer o que, em outro lugar e em outra circunstância, é execrada de maneira intestinal pelos telespectadores (Alguém  lembrou do Sandro que esqueceu a primeira metade do nome?). E contra quem violentar? Contra os estudantes vagabundos, contra os pretos malditos, os nordestinos sujos que votam por comida (e que motivo mais nobre teria?).

Realmente a cobertura jornalística das enchentes do Verão de 2011 ficarão para história: obras políticas protetoras dos interesses dos dominadores, dos corruptos. Uma completa lavagem cerebral na cabeça do povo brasileiro que, apesar de mais nutrido, continua lamentavelmente perdido e ignorante. É uma obra prima. A isto soma-se a repressão tucana aos manifestantes na capital, que ousaram expressar descontentamente com uma passagem de ônibus de 3 reais. O que é veramente um absurdo. Chamem o Totó, a Mariana Ximenes, a Maitê proença dos cabelos congelados, que até prefere um pouco de truculência machista para salvar o Brasil da Dilma, a comunista comedora de criancinhas! Penso que há uma guerra neste Brasil. A guerra é por poder, e quem a alimenta é o povo ignorante e ignorado. E a cada vez que assistimos os mesmos programas e nos recusamos ao protesto, mesmo que ínfimo e de caráter estritamente subjetivo, interno á consciência, colaboramos com o projeto de dominação. Não é questão de radicalizar, mas questão de ter consciência e conversar com as pessoas. Pois a palavra é, acredito, a arma mais importante. O mal é sempre o que saí da boca, tanto o mal para o justo quanto o mal para o injusto que, por lógica, é um bem. Mas a guerra não vista é a pior: não mobiliza. O estado de torpor continua.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Som da Montanha

Kawabata, ao que me parece, é adepto dos sonhos. No romance que terminei de ler ontem, intitulado O Som da Montanha, os sonhos são sempre recorrentes. O personagem principal, Ogata Shingo, tem sua vida apresentada ao leitor como se você cenas de sua vida, em especial, sua velhice. E os sonhos estão sempre lá, ocorrendo surdos na noite, mediando e, não raro, dando subsídios aos nomes dos capítulos. Kawabata é um mestre da sutileza, das metáforas sensoriais inusitadas. O livro em questão não nos leva a um conhecimento exaustivo da vida do personagem, ao contrário, somos convidados a assistir certos recortes de sua vida já na terceira idade; isto me parece evidente até mesmo pelo desfecho da história.

Sofre o personagem de dores, esquecimentos, visão cansada e todo o tipo de incômodos trazidos pela decripitude física que o próprio Shingo faz questão de mencionar várias vezes no romance. Minha intenção não é fazer uma análise completa nem uma resenha da obra. Quero ressaltar apenas as minhas impressões e a admiração pelo estilo do autor. Penso que o tema principal seja, além da velhice e da morte, o amor puro, incondicional, que de tão imaculado nem é percebido. Acho que fica evidente este caráter quase imanente e, portanto, latente de um sentimento que a obra vai cozinhando do começo ao término, até culminar em um clímax que, de tão sutil, parece um anti-climax ou nem um nem outro parece.

Chama atenção também a forma como Kawabata desnuda a vida perfeita que a chamada vida civilizada põe como protótipo a se seguir por toda a família, de modo a automatizar um sentimento de que a família é inexorável, imune ao tempo e às tempestades, vivendo felizes para sempre. A família de Shingo é errática, sua esposa é feia, sua filha mais feia ainda. Seu filho teve o caráter distorcido pelo front de guerra enquanto sua nora, e a quem assiste Shingo, sofre impotente o afastamento do marido, este último alimentando uma relação extraconjulgal. Inclusive a feiura é tratada de modo cru quando Shingo reflete sobre a infelicidade da filha. Nada é bonito nem perfeito. A perfeição me parece  ser seguir com dignidade apesar dos percalços e do desencaixe com a moral vigente. Em último instância, não me parece uma crítica à moral, mas antes uma visão condecendente com a miséria humana, que tanto quer ser sem conseguir acontecer.

Por último, e eis a verdadeira genialidades, a beleza na tristeza, tal qual o autor já nominava outra obra, que transparece em OsdM: a maravilhosa cena na qual Shingo observa o gigantesco girassol, depois este caído em função da tempestade, a experiência de vislumbrar no rosto de Kikuko uma máscara de Nô ganhar vida, fazendo-o observar cada traço do movimento, os sucessivos sonhos com mulheres mais novas, a impotência diante do tempo que passa fulminando a tudo e a todos, a ternura guardada só para si que transparece em laivos. Mostra, enfim, a naturalidade da natureza humana, que apesar da aparência de indelevel sustentada aos trancos, guarda em si os mais incompreensíveis e estarrecedores sentimentos e instintos.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O Sul (compreende o Sudeste) é o meu país!

Como diria Jesus, o ungido; atemporal:

"Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem" Lucas 23-34




Por: juliquinhafreitas

Cenas de uma guerra

José Dirceu foi entrevistado no dia 01/11/10 no programa Roda Viva.
Não vou nem comentar essa entrevista. Há de se ter estômago com a imprensa. Vamos lá.